Conto Literário

Véu Azulado - 4a parte
Autora: Viviane França

Por nenhum momento as duas olharam para trás.
Correndo pela mata ao lado de Manuela, Beatrice sentiu os pés pesarem. Cada passo tornara-se agora um suplício. A luta tinha lhe causado torções e escoriações pelo corpo. Um desconforto que aumentava à medida que os minutos passavam. Mas não era apenas ela quem estava exausta. Tão ferida quanto Beatrice estava Manuela que em silêncio se arrastava pela mata, tropeçando em pequenas pedras e indo de encontro a galhos baixos. 
E então, depois de algum tempo, chegaram enfim à borda da Floresta. Encontrar a saída trouxe uma força até então desconhecidas pelas duas que sem se importarem mais com a dor, encontraram energia para correr. E correram até alcançarem o estacionamento da Reserva.
- Como... como você conseguiu sair com vida de dentro da Toca? – perguntou Beatrice.
- Bem... eu aproveitei da distração delas e corri.
- Mas e quanto às outras garotas? Elas ficaram dentro da Toca?
- Eu não sei. Mas acho que não podemos mais ajudá-las... – respondeu Manoela, a cabeça baixa fitando o rudimentar caminho.
- Não podemos! Mas por quê? O que foi que você viu?
Respirando fundo Manuela respondeu:
- Vi Bianca... foi ela quem as distraiu.
- A Bianca? Você tem certeza?
- Absoluta... acredite em mim.
- Quem não consegue acreditar que ainda estejam por aqui sou eu – soou a cristalina voz de Caleb.
Sua presença inesperada as fez sobressaltarem. E ele riu.
Encostado em um carro cinza, ele as observava com intensidade.
- Não tem graça. Você quase nos matou de susto! – reclamou Beatrice.
- Não será do coração que vocês irão morrer se não entrarem neste carro agora – disse ele e sua voz soou fria. - Não pensem que elas desistiram de caçá-las.
- Mas quem são elas afinal? – perguntou Manoela.
Ele de repente se resignou.
- São as Filhas da Lua. As Senhoras da Noite. Seres que caminham à Luz do Luar em busca de presas. Algumas para diversão, outras para se juntarem a elas.
- Ah – murmurou Beatrice.
Vendo que as duas jovens não compreendiam suas palavras, Caleb continuou.
- A cada três anos, as Filhas da Lua saem em busca de novos espíritos. É durante a fase da Lua Azul que o Véu entre os dois mundos, o material e o espiritual, está mais tênue.
- Continuo não entendendo – queixou-se Beatrice.
- Como uma descendente dos Imortais, você é um Ser valioso para elas.
- Eu sou o que?
- Beatrice... você já deve ter notado que seus sentidos são mais aguçados e seus momentos de insights reveladores – disse Caleb.
- Aguçados? Mas eu consigo me perder dentro dos corredores do colégio!
- Isso porque você ainda não aprendeu a discernir o espaço que ocupa do espaço que se apresenta à sua frente. Você tem o dom de enxergar através do véu. Uma habilidade que apenas nós Imortais possuímos - explicou Caleb. – Ao contrário das Senhoras da Lua, nós não precisamos aguardar pelo ciclo lunar para poder ver do outro lado.
E as duas jovens demoraram alguns minutos para absorverem o que Caleb dizia.
- Então eu fui convocada apenas para diversão? – concluiu Manoela com a voz embarcada.
- Você sim, mas Beatrice não – respondeu Caleb.
Por alguns instantes ele olhou a trilha à frente. A expressão inexpressiva.
- Eu sinto muito Beatrice. A culpa foi minha. Eu pensei... que você recusaria o convite. Mas vejo que me enganei. Você é mais inocente do que eu pensava.
Então ele parou por um momento e quando voltou a falar sua voz estava mais fria.
- Se você fosse um pouco mais atenta perceberia quem elas eram.
Então Caleb voltou o olhar para Manuela.
- Tenho agora uma dívida com você que viu mais do que deveria – e sua expressão ficou infeliz – Não posso deixá-la partir, mas não a calarei... o que nossa Lei exige que façamos... Portanto, você terá que vir conosco.
Por um momento Beatrice o encarou e uma centelha de medo passou pelo seu rosto.
- Mas iremos para onde? – perguntou ela.
- Para o outro lado do véu – respondeu ele. – Ali ficaremos até que o ciclo se complete. Agora entrem no carro. Nosso tempo se esgota... elas já estão a caminho.
Assustadas e confusas, as meninas obedeceram. E assim que deslizaram para dentro, Caleb ligou o motor. Girando a direção do carro para ficar de frente para a estrada principal, ele acelerou e partiu, atravessando uma azulada e fina névoa.