Canto Literário

Véu Azulado - 3a parte
Autora: Viviane França

Com o rufar de tambores ao longe, as Filhas da Lua deram início a cerimônia.
- As Candidatas queiram se aproximar – soou em tom alto a voz de Diana. - Como Guardiã as conduzirei no Ritual, chamando pelo nome cada uma de vocês. Coloquem-se ao meu lado, em silêncio, por ordem de chamada. 
Então após um pigarro e todas as atenções voltada para si, ela começou a chamada.
- Caroline... Bianca... Mari... Manuela... e Beatrice. Queiram se apresentar perante sua Guardiã.
Que formalidade, pensou Beatrice.
Então, em silêncio, elas fizeram fila ao lado da Guardiã.
- Queiram todas me seguir – disse Diana virando-se em direção as altas árvores que circundavam a clareira.
Beatrice que seguia por último, viu que não era a única Convocada apreensiva do grupo. A bela e sempre segura Caroline parecia travar uma luta com as próprias pernas, enquanto a tímida Bianca tremia descontroladamente, por ansiedade ou medo, Beatrice não sabia. Quanto à sempre gentil Mari... bem, ela não conseguia disfarçar o sorriso nervoso que parecia incomodar a sempre mal-humorada Manuela.
Ser a última da fila tem as suas vantagens, riu Beatrice.
E com mais algumas passadas a Guardiã voltou a falar.
- Fiquem aqui e aguardem em silêncio. Virei buscá-las.
Mas antes que alguém pudesse lhe dizer algo, Diana adentrou-se na mata.
Então Beatrice viu a figura de Caleb pelo canto do olho. Encostado tranquilamente em uma árvore, ele a observava com intensidade.
- A pulseira. Agora – sussurrou.
Sem questioná-lo ou se importar com as outras Candidatas, Beatrice escondeu por debaixo da manga da blusa, uma de suas muitas pulseiras de prata. Ela ainda ajeitava a roupa quando viu Diana surgir por dentre as árvores. A Guardiã trazia nas mãos uma pequena caixa de cerâmica.
- Deixem seus objetos dentro desta Arca – disse então. - Eles serão devolvidos a vocês no final da Cerimônia.
Para espanto de todos, Mari foi a primeira, entre elas, a caminhar em direção a Diana e depositar seu delicado anel na pequena caixa.  
- Bianca – chamou a Guardiã.
Manuela que estava próxima a Beatrice, resmungou.
- Não irei entregar a minha corrente. Minha avó me mataria se a perdesse.
Ao contrário de Beatrice, ela não pareceu preocupar-se com a presença de Diana. Escondendo a corrente por de baixo da blusa de gola, caminhou tranquilamente em direção a Arca, onde depositou seus nada discretos brincos.
Como ela consegue usar isto!, pensou  Beatrice.
Então algo chamou a sua atenção.
Diana que vestia um par de luvas brancas, parecia atenta demais para não tocar em nenhum dos objetos depositados na Arca.
Que sinistro, pensou ela.
- Beatrice – chamou Diana.
Sem olhar para a Guardiã, Beatrice caminhou em sua direção e jogou para dentro da caixa suas adoradas pulseiras.
E rufos de tambores soaram novamente.
- Fiquem em fila. Daremos início ao Ritual – anunciou Diana.
Uma a uma as Candidatas foram desaparecendo por detrás das altas árvores. A névoa que ainda envolvia a clareira tornara-se mais densa e o frio mais incômodo. Como última da fila, Beatrice, de repente, se viu sozinha. Sozinha para pensar nas palavras de Caleb que teimavam em vibrar em sua mente.
Como Convocada você deveria saber... As Filhas da Lua pedirão sua permissão... Recuse entrar na Toca... Conserve uma de suas pulseiras no braço...
Então Diana, silenciosamente, se aproximou.
- Beatrice – chamou ela. – Chegou a sua hora.
Esforçando-se para não esboçar nenhum sentimento, Beatrice colocou-se ao seu lado. Os passos largos e rápidos de Diana a obrigaram a acelerar para acompanhar seu ritmo. Mas com apenas algumas passadas, elas chegaram à frente de uma estreita passagem aberta na raiz de uma Montanha.
A Toca, pensou ela.
- Como uma das escolhidas, você terá o privilégio de fazer parte da nossa matilha – começou a dizer Diana. – Mas antes deverá abdicar-se de sua vida atual, de sua família, de seus amigos e de sua vida... humana.
- O que? – perguntou Beatrice.
- Você entenderá melhor assim que entrarmos na Toca.
- Entrarmos na Toca?
- Sim. As Filhas da Lua a aguardam.
Recuse o convite, soou uma cristalina voz em sua mente.
- Peraí... eu não sei ao certo se quero fazer parte da sua matilha.
- Como? – perguntou Diana. Os olhos sustentando o olhar de Beatrice.
- Eu posso recusar o convite, não posso?
- Pode – confirmou ela. O olhar agora avaliando Beatrice com curiosidade. – Mas o que a fez mudar de ideia?
E antes que Beatrice pudesse lhe dizer uma palavra, Diana murmurou:
- Caleb.
Recuando um passo, ela começou a circular Beatrice. O olhar, antes tranquilo, estava agora intenso e feroz. No lugar do sorriso, dentes afiados e expostos brilhavam a luz do Luar.
Mas que droga! Esta parte Caleb não me contou!, pensou ela, consciente de que correr seria inútil.
Então Diana se agachou e um intenso rosnar ecoou de seu peito.
- Você ganhou o privilégio de ser uma das nossas – disse ela.
Sua voz, agora um rosnado forte e felino, assustou Beatrice que cambaleando, deu um passo para trás.
- Você aceitou o convite.
- Aceitei. Mas... eu mudei de ideia – respondeu Beatrice com o coração batendo furiosamente.
- O que? – gritou Diana, a voz estridente.
Mantenha-se calada, pediu Caleb com veemência.
Mas já era tarde demais. Furiosa com as palavras de Beatrice, Diana posicionou-se perto dela. Então com um estranho grito saltou em direção a jovem. Mais Beatrice foi mais rápida. Com agilidade ela se moveu para o lado, surpreendendo Diana que contorceu o rosto de frustração.
Beatrice... crave a pulseira no coração dela, soou urgente a voz de Caleb.
Pondo-se de pé novamente, Diana a encarou. O olhar felino e os lábios, agora apertados numa linha rígida, estudava Beatrice. Ela sentia a tensão emanar da Guardiã que com um rosnar mais intenso, agachou-se e se preparou para uma nova investida. Beatrice sentiu que seria impossível se esquivar dela novamente. Ela seria agora mais rápida e mortal. Apenas uma distração poderia ajudá-la a sair viva dali.
Então foi quando tudo aconteceu. Tão rápido que Beatrice não conseguiu acompanhar a sequência das cenas.
Ela puxava a manga da blusa para expor a pulseira, quando viu pelo canto do olho, um pequeno vulto saindo da Toca. Uma figura que também chamou a atenção de Diana que por uma pequena fração de segundo, se permitiu distrair. Tirando os ardentes olhos do rosto de Beatrice, ela olhou para a figura. E um misto de espanto e fúria surgiu em seu rosto.
Mas a Guardiã se recompôs rapidamente e com um movimento seguro saltou sobre Beatrice. E seu peso derrubou a jovem no chão.
Embora Beatrice soubesse que lutar contra Diana seria impossível, ela não se abateu. Enquanto uma de suas mãos procurava, desesperadamente, por alguma coisa que pudesse feri-la, a outra, tentava manter as garras da Guardiã longe de seu pescoço
- A deixe em paz! – gritou uma voz familiar.
E algo pequeno e brilhante reluziu nos negros olhos de Diana que com um estridente e agonizante grito saltou para trás, se pondo de pé.  
- Volte para a Toca – ordenou ela com sua voz fria e cortante.
Mas Manuela não se intimidou. De pé, próxima a Beatrice, a jovem cujo rosto estava pálido, investiu contra a Guardiã. Parecia ferida, mas consciente o suficiente para entender que a corrente de prata era a única proteção dela e de Beatrice.
- Nos deixe em paz... Não queremos fazer parte da sua matilha – arfou Manuela.
Aproveitando da distração da Guardiã, Beatrice procurou pela pulseira em seu braço. Ofegando, colocou-se de pé e num gesto rápido lançou a pulseira em direção da Guardiã. O leve e frio metal voo com suavidade a curta distância que as separavam, atingindo Diana na altura do pescoço.
Então um único som ecoou pela Floresta, tremeluzindo as folhas das árvores.
Era o grito ensurdecedor de Diana. Grito que de repente cessou após um baque surdo. O corpo tombado da Guardiã embrulhou o estômago de Beatrice. O observando do alto, ela viu Diana oscilar seu olhar felino entre ela e Manuela até que ele perdesse, lentamente, o brilho.
- Precisamos ir - murmurou Manuela.
- Mas Manu... acho que nós a matamos. Ela não está se mexen... – começou a dizer Beatrice, mas sua voz hesitou. Ela engoliu em seco.
- Não foi nossa culpa. Não tivemos escolha... era ela ou nós – argumentou Manuela. – Agora vamos! É melhor sairmos daqui.
E puxando a amiga pelo braço, Manuela se afastou do inerte corpo da Guardiã.

Continua...
O Conto será publicado em quatro partes. De 22 a 25 de maio

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou meio eletrônico, sem a permissão do autor.