Quebrando o Encanto?

O Doador de Memórias
De Lois Lowry
“Meu nome é Jonas. Não tenho sobrenome. Nenhum de nós tem. (...)
Sempre achei que via as coisas de um modo diferente. Via coisas que outros não viam. Nunca falei nada. Não queria ser diferente. Quem iria querer?.”
(Filme - O Doador de Memórias)


O caminho até a obra
Fiz o caminho inverso do que costumo fazer. Assisti ao filme primeiro para depois sair à procura do livro. Um pequeno livro com 185 páginas que não desperdiça nenhuma palavra e parágrafo para transmitir uma ideia interessante.

A de um mundo privado de doença, medo e dor. Onde as pessoas mantêm seus sentimentos sob controle e escolhe um dentre todos, para desempenhar um papel especial: o de Recebedor de Memórias. O que significa ser o único a guardar lembranças, sensações e sentimentos que foram banidos da sociedade.

Confesso que prefiro ler a obra literária primeiro, já que a ideia original é a do autor. É através dele que enxergamos os personagens e conhecemos cada um deles. Como pensam, como sentem e reagem diante dos acontecimentos que vão desenrolando durante a história.

Por isso, assim que conheci o Jonas do livro, esqueci-me completamente o do filme e me permiti olhar para ele como um estranho que precisava ser apresentado.

Na verdade, precisei me esforçar, já que o Jonas do livro era um garoto de 12 anos e não um adolescente de 16 anos, como foi retratado no filme. Diferenças que não mudaram minha simpatia pelo carisma do sensível, inteligente e corajoso Jonas.

Embarcando em uma nova jornada
Adaptado para o cinema, a história não perdeu sua essência e mensagem: a de quando não há memórias, não há identidade, liberdade e individualidade.

Nosso protagonista Jonas não se diferencia dos demais colegas e, assim como eles, tem precisão com as palavras e trabalha para o benefício e bem-estar de sua comunidade. Seus melhores amigos são Fiona e Asher. E como todos os garotos de sua idade, Jonas entrará na fase adulta, deixando a infância para trás.

No dia de sua Cerimônia, Jonas receberá uma Atribuição, na qual trabalhará até o dia da sua Dispensa.

Nosso Jonas é um garoto de 12 anos, tão questionador e corajoso quanto o Jonas adolescente do filme do diretor Phillip Noyce, por isso, faz coisas que sua versão mais jovem não faz. O Jonas adolescente de 16 anos, já começa a questionar as normas da sua comunidade, os seus sentimentos por Fiona e por seu irmãozinho Gabriel.

Marcando um encontro
A hora do encontro finalmente chegou. Em poucos minutos nos encontramos com os personagens que durante semanas sentaram-se ao nosso lado no banco do parque ou na areia da praia. Pessoas com as quais trocamos ideias e discutimos. Andamos de bicicleta ao seu lado, como fizemos com a tranquila Fiona e com o melhor amigo de Jonas, o bem-humorado Asher. Sentamos à mesa para jantar com a faladeira Lily, enquanto ouvimos o irmãozinho de Jonas, Gabriel, chorar. E compartilhamos as boas e tristes memórias do Doador.

Mas conhecer os moradores e as estruturas da Comunidade foi um dos melhores encontros. Suas casas, parques e ruas sem cor e padronizados, fortaleceu ainda mais a mensagem da história da autora Lois Lowry.

Explorando novos caminhos
O diretor Phillip Noyce criou belas paisagens ao retratar as memórias que o Doador transmite ao Receptor. Lembranças do que já os fez reais, como o de velejar no mar, andar de treno, sentir a chuva tocar a pele. Assim como, a isolada casa do Doador perto da Orla, de onde Jonas pode ver a fronteira, a Orla Extrema do Limite da Memória.

Com imagens em preto e branco, em que as cores apenas surgem quando Jonas ultrapassa a Mesmice, a fotografia do filme é bela. As pessoas, a casas, os objetos, tudo é padronizado, uniformizado, descolorido e sem personalidade.

Como todos os moradores treinados para seguir às regras da Comunidade. Uma Comunidade moderna, com uma tecnologia avançada mas desprovida de sentimentos e emoções.

Adaptando para o cinema
Com uma bela adaptação do livro que vendeu mais de 11 milhões de exemplares, O Doador de Memórias arrecadou 45 milhões de dólares ao redor do mundo. 

A história da premiada autora encantou a todos com a sua simplicidade e profundidade. O que realmente seria uma sociedade perfeita? Até que ponto vale a pena abrir mão das emoções para construir esse lugar desprovido de sofrimento? Existe vida feliz sem amor, sonhos e desejos? São perguntas que Phillip responde através dos personagens. O questionamento de Jonas, os ensinamentos do Doador, os debates entre a Anciã-Chefe e o Doador.

Um filme para ver e rever muitas vezes.